Ônibus de torcida do Fla era emprestado e registro de motorista é mistério

BRUNO BRAZ
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS)

Passados 12 dias do acidente com o ônibus que levava 44 torcedores do Flamengo para a Argentina, as vítimas continuam no aguardo de respostas. A reportagem conversou com o dono do veículo, que afirmou que emprestou o coletivo para outra empresa. Já a identidade do motorista segue sendo um mistério até para a Polícia Civil.

CADÊ O MOTORISTA?

A reportagem falou, ao telefone, com Wedson Martins da Silva, identificado no laudo da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) como o dono da empresa “WF Liboti Transportes Eireli”. O empresário confirmou ser o dono do ônibus que tombou na rodovia Presidente Dutra, altura de Barra Mansa (RJ), no último dia 27, mas fez a ressalva de que somente emprestou o veículo para Luís Cláudio Santos da Rocha, dono da empresa “Rio Sul Transporte Turismo e Viagens LTDA”.

A Rio Sul, inicialmente, é quem tinha sido contratada pelos torcedores para a viagem a Buenos Aires, mas ainda na Região Serrana do Rio de Janeiro, o ônibus da companhia apresentou um problema em uma das rodas, que estava sem parafusos, o que motivou a necessidade de solicitar um novo veículo.

“O Luís é um amigo meu. Somos empresas pequenas. Costumo dizer que nem sou empresa. Tenho apenas dois carros (ônibus), com todas as autorizações, a gente mesmo que dirige, fazemos o contrato de prestação de serviços, tenho tudo certinho. Um dia antes, estávamos juntos. Ele (Luís) precisou desse meu ônibus.

O problema dele não era defeito no carro. Era simples, mas ele ficou com medo de não dar tempo de trocar os parafusos. O borracheiro que trocou os pneus não deu o aperto final, as porcas afrouxaram e o peso destruiu o estojo. Ele teria que trocar o estojo, seria arriscado, então ele pediu meu ônibus e, de pronto atendimento, eu emprestei. O cara é meu amigo”, afirma Wedson Martins da Silva, dono do ônibus que tombou.

A reportagem teve acesso ao registro de ocorrência do acidente feito pela Polícia Civil. O documento foi elaborado dia 28, às 10h16, na 90ª delegacia (Barra Mansa-RJ), e foi finalizado às 10h57.

O registro de ocorrência coloca Luís Cláudio Santos da Rocha como o responsável pela viagem dos torcedores. Há ainda o testemunho de Lucas Santos da Rocha, que segundo apuração da reportagem, é parente de Luís.

Na “dinâmica do fato”, o documento da polícia corrobora o laudo da Polícia Rodoviária Federal de que o motorista não foi localizado no acidente: “(…) Que o motorista que conduzia na hora do sinistro não foi identificado pois saiu do local”.

O documento finaliza ainda afirmando que Luís Cláudio não forneceu informações sobre o condutor: “(…) que o responsável pelo ônibus não forneceu elementos para qualificação do motorista, ficando inviabilizado o auto do reconhecimento”.

O que é auto de reconhecimento? É um procedimento formal previsto no Código de Processo Penal (Art. 226) usado para que uma vítima ou testemunha identifique oficialmente uma pessoa suspeita, geralmente a partir de fotografias ou pessoalmente, seguindo formalidades legais específicas para garantir a validade da prova.

A reportagem conversou com vítimas do acidente que afirmam que o motorista do ônibus era chamado de “Neto”. Wedson, por sua vez, não quis confirmar a identidade do condutor, mas admitiu que ele se evadiu do local.

“Eu não tenho essa informação (que o motorista era chamado de Neto), não posso afirmar que é verdade. Quando teve o acidente, eu fui para o local, o carro de fato é meu, fui prestar assistência. O que ocorreu foi que teve um vuco-vuco entre os torcedores, o motorista ficou com medo de quererem bater nele. Ele se ausentou do local e se apresentou depois na delegacia, mas não foram meus motoristas. Eu apenas cedi o carro”, afirma Wedson.

Uma das 44 vítimas do acidente cobrou esclarecimentos sobre a identidade e o paradeiro do motorista.

Ela afirma que Neto —apontado pelos passageiros como o condutor — excluiu suas contas das redes sociais. O ônibus levava integrantes das torcidas “Nação 12” e “Urubuzada”.

“Eu quero saber aonde que ele (Neto) está. Teve gente que disse que o viu passando correndo com sangue no rosto, mas até agora, ninguém o achou. A gente achou o Instagram dele, mas ele excluiu, sumiu, ninguém acha”, diz vítima do ônibus que preferiu não se identificar, à reportagem.

A reportagem pediu à Polícia Civil um esclarecimento sobre a identidade do motorista, mas até o fechamento desta matéria não recebeu uma resposta. Na última sinalização, o órgão informou que “o laudo pericial, elaborado pelo Instituto de Criminalista Carlos Éboli (ICCE) da Polícia Civil, está sendo analisado. Agentes realizam diligências para esclarecer todos os fatos”.

No registro de ocorrência, a Polícia Civil afirma que o tacógrafo foi apreendido para análise e investigação. O equipamento é uma espécie de “caixa preta” dos ônibus e armazena informações sobre condução, velocidade, distância percorrida, tempo de direção e paradas.

As vítimas também afirmam que “Neto” não era habilitado para dirigir um ônibus por possuir menos de 21 anos, idade mínima para que se obtenha a “categoria D” da Carteira Nacional de Habilitação, apontada pela legislação como a indicada para o transporte de passageiros cuja lotação exceda oito lugares.

A reportagem solicitou que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) verifique se o nome completo de “Neto” consta em seus dados, mas até o fechamento desta matéria não obteve respostas.

A reportagem também ligou e mandou mensagem para Luís Cláudio Santos da Rocha na última terça, mas até o momento o responsável pela viagem dos rubro-negros não retornou os contatos.

SEGURO DO ÔNIBUS É ACIONADO E INICIA CONTATO COM AS VÍTIMAS

Wedson enfatizou que o seguro do ônibus foi acionado e as burocracias foram iniciadas. A reportagem entrou em contato com vítimas do acidente e confirmou que, de fato, algumas delas já foram procuradas pela seguradora, que exigiu documentos, comprovações e notas fiscais para um possível ressarcimento.

“Demorou umas 48h ou 72h para acionar o seguro porque só tem como acionar com laudo pericial, boletim de ocorrência, os dados dos passageiros… Não é tão rápido em se tratando de 44 pessoas, mas agora começou a entrar em contato com todos os passageiros e prestar assistência”, diz Wedson.

O seguro em questão é uma obrigatoriedade exigida pela ANTT. Ele se chama “Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Passageiros” e tem como finalidade garantir a indenização por danos corporais e materiais causados aos passageiros e suas bagagens em caso de acidentes durante a viagem.

FLAMENGO OFERECE AJUDA ESTRUTURAL, MAS TORCEDORES TÊM ARCADO COM CUSTOS

De acordo com as vítimas, o Flamengo tem ajudado estruturalmente os feridos. Há um auxílio para a viabilização de cirurgias e consultas, mas os custos com remédios e demais necessidades têm sido arcados pelos próprios rubro-negros.

Alguns deles seguem internados. Uma vaquinha online realizada pela “Nação 12” tem sido feita nas redes sociais para ajudar nos custos de recuperação dos acidentados. De acordo com as vítimas, Luís Cláudio também solicitou as notas fiscais dos gastos para ressarcimentos com remédios, mas os rubro-negros estão descrentes de que receberão indenizações.

“Essa empresa quase não tem ônibus. Então, os caras não têm nem dinheiro para ressarcir os danos. Como que eles vão ressarcir? Se é uma empresa grande, os caras vendem dois ônibus ali e pagam a indenização. Mas eles não têm nem como pagar porque não têm dinheiro”, diz vítima do ônibus que preferiu não se identificar.

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