Ambulantes são realocados da Rodoviária do Plano Piloto para o Setor Comercial Sul

CARLIANE GOMES
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Os trabalhadores informais que atuam na Rodoviária do Plano Piloto foram transferidos para o Setor Comercial Sul (SCS) após a mudança na gestão do terminal. A realocação foi anunciada pela Administração Regional do Plano Piloto, que confirmou que os ambulantes ocupavam provisoriamente a plataforma e precisaram deixar o espaço com a entrada do Consórcio Catedral, novo responsável pelo local.
De acordo com a Administração, 62 dos 132 ambulantes atuantes foram identificados como ocupantes regulares da área provisória e, por isso, receberam autorização para seguir no comércio informal em outro ponto do Plano Piloto. Eles passam agora a atuar no SCS com uma licença provisória de 30 dias e a mesma taxa de ocupação simbólica: R$23 mensais. Durante esse período, estão sendo tomadas providências para que esses trabalhadores possam obter autorizações definitivas. “Desde o início, foi buscada uma solução equilibrada e respeitosa para a situação dos ambulantes que atuavam na Rodoviária do Plano Piloto. Estabelecemos um diálogo constante com os trabalhadores e, a partir disso, foi formado um grupo de trabalho específico com o objetivo de encontrar um espaço adequado para que eles pudessem continuar exercendo suas atividades de forma digna e dentro da legalidade”, afirmou a Administração em nota.

O órgão informou ainda que um comitê foi criado para acompanhar de perto a situação dos ambulantes e prestar os devidos esclarecimentos durante a transição. De acordo com a administração, a intenção é fornecer os devidos esclarecimentos aos ambulantes, garantindo o ordenamento e a regularização do comércio local. “A preocupação da Administração sempre foi garantir os direitos desses trabalhadores, ao mesmo tempo em que respeitamos a legislação vigente, além de preservar as condições de acessibilidade e segurança para os milhares de usuários que circulam diariamente pela Rodoviária”, completou.
Sem acordo
A decisão de transferir os ambulantes da Rodoviária do Plano Piloto para o Setor Comercial Sul não foi bem recebida por parte dos trabalhadores informais. Representante da categoria, Selma Carlos Pinheiro, 52 anos, que atua há 35 anos como ambulante, criticou duramente a proposta apresentada pela Administração Regional e afirmou que a maioria dos colegas rejeita a mudança. “A área que eles deram foi o Setor Comercial Sul, que hoje é uma Cracolândia. Não é ponto digno para nenhum ambulante. Por unanimidade, a categoria decidiu que não vai para o setor comercial”, afirmou. Segundo ela, a comunicação oficial da realocação foi feita durante uma reunião com a Administração, enquanto, simultaneamente, os trabalhadores eram notificados para desocupar o espaço da Rodoviária em até 24 horas.
Para Selma, a proposta representa um retrocesso. “O governo nos prometeu que, se deixássemos a rodoviária e ficássemos aqui organizados na plataforma superior, eles encontrariam uma outra área próxima daqui. Nunca se falou em Setor Comercial Sul. Agora querem jogar a gente naquele lugar, sem nenhuma estrutura, sem cobertura, e ainda cobrando taxa. Querem esconder os camelôs junto com os drogados”, criticou.

Ela também questiona a falta de diálogo efetivo por parte dos órgãos envolvidos e diz que o prazo pedido pela categoria para negociar a transição foi ignorado. “Pedi mais 10 dias para nos organizarmos, mas nem responderam. Fizemos ofício, procuramos a administração e até o consórcio Catedral, mas não fomos recebidos. Estamos sendo empurrados de um lado para o outro, num jogo em que só os grandes ganham e os pequenos perdem”, desabafa.
Ainda segundo a representante, os trabalhadores estavam mais tranquilos desde que haviam sido alocados provisoriamente em uma área externa da Rodoviária, mesmo com limitações. “A gente não tem água aqui, depende da Rodoviária para ir ao banheiro, mas estávamos com dignidade, vendendo sem correr da fiscalização. Mas agora, querem nos tirar daqui e nos levar para um lugar sem estrutura e sem segurança”, afirma.
Indignada, Selma diz que os ambulantes não pretendem aceitar a mudança de forma passiva. “Hoje a gente vai desmontar, entregar a área, mas voltaremos para dentro da Rodoviária. Os 132 camelôs vão ocupar o local novamente. Vamos lutar até o fim”, afirmou.
O clima entre os ambulantes da Rodoviária do Plano Piloto é de tensão e incerteza. Trabalhando há 6 anos no local, Maria Aparecida da Silva, 60 anos, relata que a situação atual afeta não apenas o sustento financeiro, mas também o emocional dos trabalhadores informais. “Nossa situação aqui é de desespero. Não é só minha, é de todos os colegas. Estamos todos no mesmo barco, um deve aluguel, o outro tem prestação da casa atrasada, e ninguém consegue trabalhar direito. O cliente chega, pergunta se a gente vai sair e nem quer comprar, com medo de não ter onde trocar o produto”, desabafa.
Segundo Maria, a ordem de desocupação dada pelas autoridades, com prazo de 24 horas, pegou a todos de surpresa e sem estrutura para cumprir. “Começou a contar ontem, segunda-feira 30 de junho. Como vai sair todo mundo assim de uma hora para outra? Vai chegar o DF Legal com a secretaria e levar tudo? É a mesma coisa que jogar uma bomba aqui e matar o povo. É melhor matar logo”, diz, revoltada.
A ambulante defende que o governo local deveria estender o prazo e buscar uma solução próxima e segura para os trabalhadores. “Existem áreas aqui por perto onde a gente pode trabalhar com dignidade e segurança. Mas querem mandar a gente para o Setor Comercial Sul, onde só tem drogado e alcoolizado. Nós trabalhamos de camelô, mas tem dignidade, precisa de um teto, de respeito. Vender pinga é que não vamos”, ironiza. Para ela, a falta de diálogo e de resposta dos órgãos públicos está desmobilizando até quem vinha lutando pelos direitos da categoria. “Essa senhora (Selma) está aqui brigando pelos nossos direitos, mas já está quase desistindo porque não obtém resposta nenhuma. Estamos desamparados”, conclui.
A ambulante Gessika Aparecida Januário, 32 anos, afirma que não houve comunicação oficial sobre a realocação para o Setor Comercial Sul. Segundo ela, apesar de circularem informações nas redes sociais, os trabalhadores não foram notificados formalmente nem receberam detalhes sobre o novo local. “Fui até a administração porque disseram que seria oferecido uma licença para irmos para outro lugar, mas quando cheguei na administração, me disseram que nada estava definido, que nem havia local certo ainda. Eles querem desocupar o lugar, mas nem sabem para onde devemos ir?”, questiona.
Gessika também critica a falta de diálogo e o que classifica como descumprimento de promessas feitas pelo GDF. “O governador Ibaneis Rocha prometeu um novo espaço para a gente trabalhar, mas até agora nada foi feito. Nós estamos sendo expulsos sem ter para onde ir. E ainda dizem que vão cobrar taxa no Setor Comercial Sul, um lugar totalmente inseguro. É como esconder o camelô na Cracolândia”, denúncia. A notificação para desocupação, segundo ela, chegou de forma abrupta. “Vieram aqui no fim da tarde, quase 17h, entregaram o papel mandando desocupar em 24 horas, mas não disseram para onde a gente vai, nem como. E mesmo a gente tendo pago a taxa de ocupação por 2 meses, ninguém nos deu uma solução”, lamenta. “Nós dependemos desse trabalho para comer, pagar aluguel, sustentar nossos filhos. Isso é desumano.”
Fiscalização
Procurada pelo Jornal de Brasília, a Secretaria DF Legal se manifestou sobre a situação dos ambulantes e declarou que não é responsabilidade da pasta definir os pontos de atuação dos vendedores informais, mas sim fiscalizar o uso adequado do espaço público. “O papel da pasta é cobrar a autorização deles e realizar a desobstrução da área pública em caso de atuação irregular”, informou, em nota. Segundo o órgão, representantes dos ambulantes foram informados da impossibilidade de exercer o comércio dentro da Rodoviária do Plano Piloto, especialmente em áreas que comprometem a circulação dos usuários do transporte público. “A DF Legal conversa com frequência com os representantes dos ambulantes e eles já estão cientes da impossibilidade de liberação do comércio dentro da Rodoviária do Plano Piloto com a obstrução da passagem dos usuários”, destacou a secretária.
A pasta também justificou a apreensão de mercadorias em algumas ações de fiscalização. “Diante dos contínuos desrespeitos e, por vezes, reação agressiva dos ambulantes, não resta opção à pasta que não seja a atuação dentro do que a Lei nº 6.190/2010 prevê no artigo 28”, explicou. Segundo a instituição, a legislação permite a perda imediata da mercadoria, sem necessidade de notificação, em casos como: comercialização sem autorização, ocupação não autorizada de espaço público e venda de produtos fora das normas estabelecidas.
Por fim, a DF Legal acrescentou que sua presença na Rodoviária continua sendo necessária por meio de um acordo com o GDF e o Consórcio Catedral, e que a expectativa é de que essa responsabilidade seja assumida pela concessionária assim que a realocação dos ambulantes for concluída de forma definitiva.
Até o fechamento desta edição, os trabalhadores informais ainda não haviam deixado o local. A Secretaria de Estado de Governo do Distrito Federal foi procurada, mas não quis se pronunciar. Já a Concessionária Catedral, responsável pela gestão da Rodoviária do Plano Piloto, informou que a responsabilidade pela realocação é do GDF e que não tem relação com o processo.