Fisiculturismo movimenta Brasília e atrai cada vez mais atletas

Acordar às 4h30 da manhã para treinar, manter uma dieta sem deslizes e conciliar a rotina de mãe, esposa, servidora pública e estudante. Aos 42 anos, Clarissa Horst transformou a disciplina em estilo de vida e passou a colecionar troféus em um cenário que está em plena expansão no Distrito Federal: o fisiculturismo.
Policial legislativa da Câmara Legislativa do DF, Clarissa estreou nas competições em julho deste ano e logo mostrou a que veio. No Campeonato Paranaense de Fisiculturismo Natural, em Curitiba, voltou para casa com dois troféus. Poucos dias depois, encarou o palco do Classic Contest Brasília, competição ligada à liga NPC/IFBB Pro League — uma das principais do mundo, ligada ao Mr. Olympia — e, mesmo competindo sem hormônios, garantiu mais três colocações de destaque. “O mais difícil não é a dieta nem o treino, porque já fazem parte de mim. O maior desafio foi aprender a andar de salto, mesmo com dor. Eu disse a mim mesma que não desistiria”, conta.
A trajetória de Clarissa é marcada por desafios que poderiam ter interrompido sua jornada. Ela já enfrentou cirurgias nos dois pés devido à artrose, condição que dificulta o uso de salto alto obrigatório nos palcos. Também sofreu um AVC no labirinto, que comprometeu seu equilíbrio. Apesar disso, persistiu. “Muitas meninas me veem como inspiração, porque já tenho 42 anos, filho, carreira e mesmo assim me dedico ao esporte. Elas me chamam de ‘mãezona’”, relata.
A escolha pelo fisiculturismo natural não foi apenas por convicção, mas também por necessidade, já que problemas de saúde a impedem de utilizar hormônios. Isso não impediu resultados expressivos. “Competi como atleta natural na NPC e conquistei resultados significativos. Isso mostra que é possível se destacar com saúde e disciplina”, afirma.
Clarissa segue uma rotina de treinos de musculação de até 1h20, combinados a sessões de aeróbico para perda de gordura. O foco maior está nos exercícios para glúteos e posteriores de coxa, pontos fundamentais para a categoria Bikini, na qual compete. Na alimentação, mantém dieta rígida, sem abrir mão do sabor. “Não sinto falta do que não como. O difícil, para mim, seria sair da dieta”, confessa.
A voz do treinador
O crescimento também é percebido por treinadores como Vagner Venício, 38 anos, personal trainer, atleta profissional e empresário. Natural de Floriano (PI), ele vive em Brasília há 17 anos e se tornou referência no setor. Soma 30 títulos de campeão em competições, além de cinco prêmios como melhor treinador — incluindo o de 2024, como melhor do Centro-Oeste. Proprietário da clínica que leva seu nome, acompanha competidores e amadores que buscam performance ou saúde.
Foi com ele que Clarissa amadureceu a ideia de competir. “Ela me procurou apenas para conquistar um físico legal, para o dia a dia. Aos poucos, foi gostando do processo e amadureceu a ideia de competir. Como ela não pode fazer uso de hormônios, optamos pela preparação natural”, explica.
Para Vagner, a categoria Bikini, escolhida por Clarissa, exige equilíbrio entre treino e dieta, com ênfase em corpo magro, definido, mas sem excesso de volume muscular. “O uso de hormônio acelera a recuperação, melhora a performance e ajuda a manter a massa muscular. Já no atleta natural, precisamos priorizar o descanso e ajustar a dieta para evitar perdas. A preparação é mais desafiadora, mas possível com disciplina”, detalha.
Custos altos
Além do esforço físico, pesa o custo financeiro. Uma inscrição em campeonato custa, em média, R$ 1.000. O biquíni de competição também não sai por menos de R$ 1.000. A pintura corporal gira em torno de R$ 500, a maquiagem, outros R$ 500. Somam-se ainda passagens, hospedagem e manutenção da dieta. No total, cada competição pode custar R$ 5 mil.
“Tudo sai do bolso do atleta. Sem patrocínio, muitos desistem no meio do caminho. O esporte vem evoluindo, mas ainda falta incentivo financeiro e apoio de empresários”, afirma Vagner. Clarissa confirma: “Os custos são pesados, mas eu decidi não desistir. É um investimento em mim mesma e na minha trajetória”.
Mesmo com as barreiras, Clarissa se prepara para novos palcos. No dia 24 de agosto, disputará o Campeonato Brasileiro de Fisiculturismo Natural, em São Paulo. Em setembro, participa do Rio Open e, em novembro, volta a Curitiba para o Especial de Natal. O sonho maior é o Natural Olympia, em Las Vegas, maior palco da modalidade no mundo.
Entre pódios e limitações, ela simboliza uma nova geração de atletas brasilienses. “Quero mostrar que é possível chegar longe sem atalhos, mesmo diante de tantas dificuldades”, resume.
Para Vagner, o futuro é promissor: “Brasília já provou que tem tradição e qualidade técnica. Temos atletas dedicados, profissionais qualificados e público crescente. O próximo passo é consolidar a cidade como referência nacional no fisiculturismo, seja tradicional ou natural”.
Cena em crescimento
O fisiculturismo está em plena ascensão no Distrito Federal. Somente nas competições organizadas pela NPC já são mais de 200 atletas locais em atividade. O último campeonato realizado em Brasília, o Classic Contest, reuniu mais de 250 inscrições e mostrou a força da capital como polo da modalidade.
“Estou desde o primeiro evento da NPC em Brasília e posso afirmar que o crescimento é exponencial, tanto no número quanto na qualidade dos atletas. A cada ano, a cena se fortalece mais”, avalia o empresário Mário Carvalho, 46 anos, diretor regional da Musclecontest e promotor de eventos da NPC no Brasil.
Segundo ele, o perfil dos competidores explica o avanço. “A maioria atua na área da saúde: são personal trainers, nutricionistas, nutrólogos ou fisioterapeutas. Eles usam a performance no palco como vitrine para seus negócios. Depois das competições, aumentam a clientela, conquistam mais consultas e fortalecem a imagem profissional. Por isso o esporte cresce tanto: o impacto vai além do fisiculturismo e alcança a promoção de saúde da população”, avalia.
As disputas da NPC em Brasília são divididas em três categorias masculinas — Men’s Physique, Bodybuilding e Classic Physique — e cinco femininas: Fit Model, Bikini, Wellness, Figure e Woman’s Physique. Entre os brasilienses, as de maior adesão são a Men’s Physique e a Classic Physique, no masculino, e a Wellness, no feminino.
Mário aponta que a capital já se destaca especialmente na Men’s Physique. “É uma categoria que valoriza harmonia, proporção e estética atlética. Brasília já tem atletas que brilham nesse segmento em nível nacional”, afirma.
Em 2024, a capital também sediou o Musclecontest Brasília Pro, etapa internacional da NPC que atraiu atletas em busca de classificação para o circuito profissional, reforçando a posição de Brasília como um dos centros mais fortes da modalidade no país.
Tradição e futuro
Além do destaque recente no circuito NPC, Brasília tem longa tradição no fisiculturismo ligado à Federação Brasiliense de Fisiculturismo e Musculação (IFBB-DF). Criada em 2008, a entidade já realizou mais de 80 eventos, incluindo o Campeonato Mundial Amador de 2014 e uma etapa do Brasileiro em 2016.
Paralelamente, cresce também o interesse pelo fisiculturismo natural. Federações como a NBF Brasil e a WNBF, ambas filiadas a organizações internacionais, ampliam calendários e já planejam expandir para o Centro-Oeste. Essas competições seguem o código da Agência Mundial Antidoping (WADA), com exames rigorosos de sangue, urina e até polígrafo, proibindo substâncias como anabolizantes, hormônios de crescimento e SARMs.
Mais do que um esporte de estética e performance, o fisiculturismo se consolida em Brasília como um espaço de disciplina, saúde e superação. A história de Clarissa Horst, que transformou limitações em força para subir ao palco, reflete o espírito de uma modalidade que não para de crescer. Com mais de 200 atletas em atividade, campeonatos lotados e tradição construída por federações locais, a capital mostra que tem potencial para se tornar referência nacional tanto no circuito tradicional quanto no natural.