Guardião do Cerrado: a jornada de Celso Macedo entre raízes, cura e preservação

Com os pés firmes na terra vermelha do cerrado e a memória mergulhada nas águas do Araguaia, Celso Macedo Costa, 47 anos, dedica sua vida a cuidar das pessoas, das plantas, da memória dos saberes ancestrais. Agente de unidade de conservação desde 2014 no Parque Ecológico do Riacho Fundo, ele transformou sua jornada pessoal em um ciclo contínuo de acolhimento e regeneração — tanto da natureza quanto do ser humano.
Nascido na Ilha do Bananal, em Tocantins — maior ilha fluvial do mundo e berço das etnias Carajá, Javaé e Avas Canoeiro — Celso cresceu na comunidade indígena banhada pelo Parque Nacional do Araguaia. “Ali eu aprendi com os mestres da comunidade, que compartilhavam seus saberes sobre parto, cura e cultura sem pedir nada em troca”, relembra. Foi esse contato íntimo com a natureza e o conhecimento tradicional que moldou sua forma de ver o mundo.

Aos 21 anos, mudou-se para Goiânia com o sonho de estudar Biologia, graças a uma bolsa de estudos. Como contrapartida, ele se dispôs a realizar trabalhos voluntários e foi assim que, na capital goiana, conheceu Dona Maria Mascarenhas — enfermeira, pioneira da fitoterapia e também vinda do Tocantins. Dona Maria mantinha uma casa de apoio para estudantes e pacientes de outras regiões.
De personalidade forte, foi uma das primeiras mulheres da região a dirigir um carro, relembra Celso: “Dona Maria Mascarenhas foi uma mulher revolucionária. Ela mantinha uma casa de apoio em Goiânia, próxima ao Hospital do Câncer e das universidades, para acolher jovens e pessoas de todo o Brasil que vinham de fora sem condições financeiras. A casa funcionava como um abrigo para quem precisava de tratamento oncológico e não tinha como pagar hospedagem. Até hoje, continuo o trabalho que ela começou”. Quando faleceu, Celso assumiu a missão: até hoje dedica seus fins de semana a acolher gratuitamente pessoas em tratamento médico, especialmente pacientes com câncer que chegam do Tocantins.
Em Brasília, ele encontrou nova terra fértil para cultivar seu propósito. Desde 2014, atua no Parque Ecológico do Riacho Fundo, o segundo maior da capital, com 465 hectares. Ali, é responsável por ações que vão da educação ambiental à restauração de nascentes — são 30 ao todo, que alimentam o riacho que batiza a região administrativa e deságuam no Lago Paranoá.

“Essas águas daqui, essas 30 nascentes, elas formam o Riacho Fundo, que dá nome à cidade Riacho Fundo I e II. E essa água toda vai parar no Lago Paranoá”, explica Celso, enquanto caminha pelo viveiro que ajudou a criar para preservar a flora local.
O viveiro, que já abriga quase 400 espécies catalogadas — entre plantas nativas do Cerrado, PANCs e espécies de agrofloresta — nasceu da preocupação com o ressecamento das nascentes e da necessidade de reflorestar com espécies adaptadas. “A agrofloresta foi criada no ano passado, em uma parceria entre o Brasília Ambiental e a ONG Renascer, com recursos de emenda parlamentar. Foi o primeiro parque aqui em Brasília onde implantamos esse modelo. A gente tinha medo dessas plantas competirem com as do Cerrado, mas aqui o espaço é todo controlado”, conta Celso.
Ele também desenvolveu um sistema sustentável de produção de adubo, feito com restos de poda e matéria orgânica do próprio parque. “Usamos grande parte do adubo produzido aqui nas nossas próprias plantações e, quando há excedente, doamos para a comunidade”, explica. Uma das beneficiadas é Maria Trindade Dias, moradora do Riacho Fundo I, de 70 anos.

Maria conta que mantém uma rotina de contato diário com a natureza e vê no parque um refúgio de saúde e vida. “Todas as segundas, acordo cedo para caminhar no parque, ouvindo os pássaros, sentindo a tranquilidade. Aqui é vida pura”, diz ela. Maria Trindade cultiva em casa plantas como acerola e limoeiro, que são nutridas com as mudas e o adubo que recebe de Celso. “É uma maravilha que muita gente aqui perto nem conhece. Eu recomendo: venha andar cedo no parque. Caminhar aqui ajuda a eliminar muitas doenças”, afirma.
O impacto do parque vai além da saúde física. Celso percebe nos frequentadores — e também nos voluntários — uma transformação emocional. “O que eu mais gosto aqui é essa interatividade com a comunidade. Eu vejo que as pessoas são muito carentes, vêm aqui para conversar. Falam: ‘Celso, eu saí daqui com outra cabeça. Só de sentir o cheiro das plantas, a cor das plantas… esse banho de floresta que a gente pega aqui. Eu saio com a cabeça melhor’”, relata.
Além de atender à comunidade local, o Parque Ecológico do Riacho Fundo também recebe autores de fato encaminhados pelo Ministério Público, que participam de ações de ressocialização atuando no viveiro com o manejo e o cuidado das plantas. Qualquer pessoa interessada pode se apresentar, ser cadastrada e começar a contribuir como voluntária no site do Ibram.
Atualmente, Celso também representa o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) em um encontro de raizeiros na região da Chapada dos Veadeiros. O objetivo do evento é restaurar e preservar os saberes tradicionais ligados ao uso de ervas, como as PANCs, e à produção de chás medicinais. Esses conhecimentos são transmitidos por comunidades extrativistas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas — herdeiras da biodiversidade do Cerrado e de outros biomas brasileiros. “Esse trabalho com ervas aqui tem uma história muito rica, ligada às comunidades do Cerrado e de todo o Brasil. Esse encontro é uma forma de a gente não perder isso”, diz ele.

Aberto todos os dias da semana, das 7h às 18h, o Parque Ecológico do Riacho Fundo é mais do que um espaço verde: é um território de cuidado, saberes compartilhados e acolhimento. Um convite à convivência com a natureza e à valorização dos conhecimentos ancestrais que ainda florescem em meio ao Cerrado.