Moradores dos arredores da Papuda revelam sensação de medo e insegurança

Moradores da região da Penitenciária Federal de Brasília (Papuda) revelam a convivência com o medo, a insegurança e o estado de alerta causado pela presença de criminosos de alta periculosidade detidos no complexo penitenciário. Apesar de ficarem em uma área isolada, as unidades prisionais estão localizadas há cerca de 4km de distância das regiões de São Sebastião e Jardins Mangueiral.
Na Papuda cumprem pena o principal líder da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e Marcos Roberto de Almeida, o Tuta, que é apontado como sucessor de Marcola. Integrante da máfia italiana ‘Ndrangheta, também está detido na penitenciária.
A penitenciária, localizada no complexo da Papuda, integra a rede de cinco presídios federais, que é administrada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. São unidades de segurança máxima projetadas para custodiar presos de alta periculosidade e lideranças do crime organizado.
O principal receio da população que vive em regiões próximas é de que haja fuga por parte dos detentos. Além disso, quando são beneficiados com o “saidão”, os custodiados acabam transitando pela cidade.
O servidor público aposentado, mora na região do Jardins Mangueiral há 10 anos, e fala sobre o receio de viver na localização, principalmente quando há saídas temporárias. Ele conta que os detentos liberados saem em bando, e acabam se dirigindo à cidade para pegar transporte e questiona o porquê de não pegarem a condução no próprio complexo. Segundo ele, a presença dos principais líderes da facção criminosa PCC, também acende um alerta.
“Eles são líderes de grandes facções e aqui podem ter muitos deles andando por aí e a gente não está sabendo. Se vem os chefes, vem os comparsas. Inclusive quando o preso está preso vem a família, os amigos e aqueles que fazem parte desse bando. Tanto o Jardins Mangueiral quanto São Sebastião devem ter muita gente de facções já instaladas, por conta disso, por conta do presídio.”, afirma o servidor.
Em reportagem veiculada pelo Jornal de Brasília, na última semana, um pedido de reforço por parte do chefe da Divisão de Segurança da Penitenciária Federal em Brasília (Papuda) foi publicado. O pedido, obtido pela reportagem, é do mês passado e argumenta que a escassez de efetivo pode comprometer a segurança dos agentes, especialmente diante da alta periculosidade dos detentos custodiados.
Embora a solicitação mencione apenas uma divisão, pessoas que acompanham o sistema afirmaram à reportagem que a carência de efetivo se estende a outras áreas da penitenciária e a outras unidades. Um Policial Penal do complexo, que preferiu não se identificar, falou com a nossa reportagem e confirmou a necessidade de reforço.
“ Estamos precisando muito de reforços no contingente, inclusive há um concurso em que ainda tem pessoas para serem chamadas.”, afirmou o policial.
A escassez de pessoal estaria relacionada à ampliação das atribuições da Polícia Penal. Nos últimos anos, esses agentes passaram a atuar não apenas na custódia dos presos, mas também em atividades como inteligência,fiscalização de contratos, gestão
administrativa, escolta, além de ações ligadas à saúde e à educação da população carcerária.
A quantidade de agentes e custodiados não é divulgada por questões de segurança, porém a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) afirmou que a penitenciária federal em Brasília opera com efetivo compatível com os protocolos de segurança do sistema, sem prejuízo à ordem, à disciplina e à integridade das operações.
“A Senappen realiza monitoramento contínuo da alocação de pessoal, em virtude de necessidades comuns a toda a administração pública, como aposentadorias, exonerações e movimentações funcionais, no entanto, neste momento, não há pedido de concurso em andamento”, disse, em nota.
No documento em que o chefe da Divisão de Segurança da Papuda solicita reforço, o servidor destaca que o sistema está sujeito a enfrentar situações de crise, como ataques.
“É patente a necessidade de aumentar, ainda que temporariamente, o número de policiais penais federais atuantes no plantão segurança desta unidade”, disse no documento encaminhado em maio.
O Sindicato dos Policiais Penais Federais no Distrito Federal afirma que a situação do efetivo é crítica, segundo documento encaminhado em agosto do ano passado ao juiz corregedor do sistema penitenciário federal de Brasília, Francisco Renato Codevila Pinheiro Filho.
Segundo o texto, os plantões da unidade têm operado, há quase dois anos, com cerca de 30% do contingente necessário para que não houvesse fragilidade na segurança. Além disso, a administração da unidade passou a usar policiais da Força Penal nas torres de vigilância para contornar o problema.
A fragilidade na segurança aumenta mais ainda o receio dos moradores de São Sebastião e do Jardins Mangueiral, principalmente em relação aos adolescentes e crianças.
Moradora de São Sebastião há 7 anos, a estudante Andelita Roque, conta que quando a família e os vizinhos veem helicópteros sobrevoando a região, já ficam em estado de alerta. Além disso, ela é orientada pela mãe a tomar medidas de segurança ao transitar pela região.
“Nunca houve incidente mas a gente sempre fica receoso porque pode ser a qualquer hora. Quando tem congestionamento minha mãe fala para nunca ficar atrás de um camburão da penitenciária. E não andamos tarde na rua porque pode ser perigoso.”, conta Andelita.
O debate sobre a segurança da capital federal e o padrão de custódia dos detentos mais perigosos do país, entrou em evidência com a transferência de Tuta, em maio deste ano. Ele foi transportado até Brasília em uma operação que envolveu 50 agentes da Polícia Federal (PF), incluindo 12 operadores do Comando de Operações Táticas (COT).
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que o presídio da capital é “o mais seguro possível” e destacou que, no setor onde Tuta está custodiado, ele não tem qualquer contato com outros detentos, o que impediria articulações com outros membros da organização criminosa, como Marcola.
Questionada sobre os motivos de líderes do PCC estarem na mesma unidade prisional, a SENAPPEN) explicou que a custódia no Sistema Penitenciário Federal é determinada com base em critérios técnicos, legais e de segurança. Ainda que os detentos estejam na mesma unidade, a pasta esclareceu que os detentos permanecem em regime de isolamento individual, sem qualquer contato entre si.
O Sistema Penitenciário Federal realiza periodicamente, o remanejamento de presos de um presídio para o outro, para garantir o enfraquecimento das lideranças do crime organizado. Além disso, as unidades do Sistema Penitenciário Federal foram construídas de maneira estratégica em áreas com distanciamento da malha urbana.
Segundo o Depen, as unidades penitenciárias contam com áreas de segurança externa, sistemas tecnológicos de monitoramento, controle rígido de acesso e vigilância reforçada pela atuação integrada das forças de segurança pública municipais, estaduais e federais.
“Não há qualquer evidência de que a presença de uma penitenciária federal aumente a violência nas regiões onde está instalada. Ao contrário, a atuação articulada e permanente do Estado nesses territórios tende a reforçar a segurança, ampliar o monitoramento e reduzir riscos para a população.”, afirmou o departamento.