Reinvenção e resistência: como empreendedores do DF mantiveram seus negócios vivos durante a pandemia

Nos primeiros meses de 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, o comércio do Distrito Federal viveu um dos períodos mais desafiadores de sua história. Portas fechadas, incertezas diárias e uma queda abrupta na atividade econômica ameaçavam a sobrevivência de milhares de negócios. Ainda assim, dados da Fecomércio-DF revelam um dado surpreendente: entre março de 2020 e dezembro de 2022, o saldo de novos CNPJs ligados aos setores de bens, serviços e turismo foi positivo — 122.571 empresas foram abertas, enquanto 97.856 foram inativadas. O resultado: um saldo líquido de 24.715 negócios ativos a mais no final do período.

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Crédito: Divulgação/Clínica Reativa

Esse contraste entre perdas e recomeços é reflexo direto da capacidade de adaptação dos empreendedores locais. Em meio ao caos, muitos se reinventaram, apostaram no digital, reorganizaram suas operações e mantiveram seus negócios vivos — muitas vezes, por pura necessidade. Fundada há 28 anos no Lago Sul, a Clínica Reativa sempre foi referência em reabilitação e fisioterapia personalizada em Brasília. Com foco em pacientes idosos, pessoas com deficiência (PCDs) e casos ortopédicos e neurológicos, o espaço passou por profundas transformações durante a pandemia de Covid-19 — e precisou se reinventar para continuar operando.

“Antes da pandemia, estávamos em plena atividade, atendendo cerca de 200 pacientes com uma equipe completa. Mas tudo mudou muito rápido”, relembra Ana Lúcia de Paula, sócia-proprietária e fisioterapeuta com formação também em educação física. Com as restrições sanitárias e o fechamento de atividades em grupo — especialidade da clínica — a Reativa precisou fechar as portas por cerca de um mês. Quando reabriu, o cenário era outro: apenas dez pacientes haviam retornado.

A estratégia, então, foi diversificar os atendimentos. A equipe passou a oferecer fisioterapia domiciliar e consultas online, respeitando a disponibilidade e o receio de cada família. “Nem todas as pessoas permitiam nossa entrada em casa. Então, começamos devagar, com os casos mais urgentes e com apoio remoto onde era possível”, explica Ana.

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Crédito: Divulgação/Clínica Reativa

Apesar de pertencer ao setor de saúde, que teve permissões especiais para continuar operando, a clínica enfrentou grandes desafios. “Trabalhávamos com grupos de risco, então redobramos os cuidados e reorganizamos todo o modelo de atendimento. Também tivemos que reduzir a equipe”, conta.

Outro desafio foi lidar com os custos fixos. “Estamos em um espaço alugado, e o valor é alto. Durante a pandemia, felizmente conseguimos negociar condições com o proprietário, o que ajudou bastante nesse período de instabilidade.”

Com o tempo, o atendimento domiciliar se consolidou como uma nova vertente da clínica. Muitos pacientes optaram por continuar em casa, mesmo após a reabertura. “Além da segurança, a comodidade pesou na decisão de vários deles. A gente teve que se adaptar a essa nova demanda.”

Hoje, a Reativa funciona em um espaço menor do que antes, mas segue oferecendo uma gama completa de serviços de reabilitação. O carro-chefe é a hidroterapia, realizada em piscina própria e com foco em fortalecimento muscular, fisioterapia aquática e técnicas como liberação miofascial. O espaço também oferece terapias complementares, como acupuntura, RPG e fisioterapia tradicional em solo.

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Crédito: Divulgação/Clínica Reativa

Antes de iniciar o tratamento, todos os pacientes passam por uma avaliação funcional e física, geralmente feita pela própria Ana. “A gente avalia o paciente para ver qual o tratamento mais adequado. A partir dessa primeira avaliação, estabelecemos o programa de atendimento, que pode incluir somente fisioterapia aquática, ou ainda terapias combinadas, como liberação miofascial, fisioterapia convencional ou RPG — a reeducação postural global. Vai depender de cada caso.”

Atualmente, a clínica não trabalha com convênios, apenas com atendimentos particulares. “Temos planos mensais e também por sessão, de acordo com a necessidade de cada paciente”, explica Ana.

Apesar da redução no número de atendimentos presenciais, ela acredita que a pandemia acelerou uma transformação que já vinha sendo observada: a personalização e a diversificação dos serviços. “A gente se atualizou, ampliou as terapias e criou novas modalidades de pacotes para atender melhor cada tipo de paciente.”

A clínica ainda busca retomar os patamares anteriores à pandemia, mas segue firme no processo de reestruturação. “Estamos longe de onde estávamos, mas seguimos com o mesmo compromisso de cuidar das pessoas com qualidade, carinho e segurança.”

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Crédito: Divulgação/Clínica Reativa

A Reativa está localizada no SHIS QI 5, Chácara 8, Lago Sul. Mais informações podem ser encontradas pelo site reativafisio.com.br ou pelo Instagram @reativafisioterapia.

No auge da pandemia de Covid-19, quando o comércio do Distrito Federal enfrentava sucessivos fechamentos e incertezas, o grupo gastronômico Dom Romano escolheu uma rota distinta: planejar, negociar e inovar. Com unidades no Lago Sul e em Águas Claras, a marca se antecipou ao caos com uma estrutura voltada para delivery, o que permitiu enfrentar os meses mais desafiadores com organização e criatividade.

“Já operávamos com o conceito de cloud kitchen desde 2018, inspirado em modelos que vi nos Estados Unidos. Isso nos deu uma vantagem estratégica quando o atendimento presencial foi suspenso”, conta Wesley Moreira, empresário do grupo. Na época, o Dom Romano mantinha duas unidades. Hoje, são sete estabelecimentos, entre pizzarias, saladerias e novos empreendimentos gastronômicos.

Com a chegada do lockdown em março de 2020, Wesley colocou o plano de emergência em prática. Com formação em administração e finanças, ele recorreu à teoria do Cash is King, que valoriza o fluxo de caixa como pilar da sobrevivência empresarial. “Eu sabia que, sem liquidez, não manteríamos a operação viva. Reuni minha equipe, antecipei férias, renegociei com fornecedores e preservei o que era essencial: a credibilidade com todos os envolvidos, de colaboradores a parceiros comerciais.”

A negociação foi uma das estratégias decisivas. Parte dos fornecedores aceitou adiar prazos ou negociar valores. Outros, não. “Fizemos o que foi possível. Mantivemos o capital de giro, controlamos os estoques e assumimos a logística de entregas para garantir segurança aos clientes. Já tínhamos uma base sólida no delivery, mas fomos além.”

A inovação se estendeu ao cardápio. “Percebemos que o público precisava de alternativas ao jantar. Reformulamos o menu com pratos diários para o almoço, como picadinho, estrogonofe e parmegiana. Com ajuda nutricional, criamos refeições equilibradas e acessíveis, o que fidelizou ainda mais os clientes”, afirma.

Mesmo diante da crise, o grupo apostou em expansão. Em 2021, abriu uma nova unidade na Asa Norte, que acabou fechada no dia seguinte devido à segunda onda do coronavírus. “Foi um risco calculado. Precisávamos manter a equipe ativa. A reinvenção foi também uma forma de manter empregos.”

No total, o grupo atravessou a pandemia com estabilidade no quadro de funcionários e, no pós-crise, cresceu. “Saímos de duas para sete unidades. Além do Dom Romano, criamos a Cumbuco Saladeria e a Loren & Hall. Hoje, temos quase 80 colaboradores.”

Para Wesley, a principal lição da pandemia foi a importância de antecipar tendências e agir com estratégia. “A crise exigiu mais do que criatividade. Exigiu disciplina, escuta ativa e coragem. Nosso diferencial foi entender o momento e responder rápido, com responsabilidade.”

A quem pretende empreender, ele deixa um conselho direto: “Não dependa da sorte. Planeje, organize, direcione e controle. O velho PODC da administração segue sendo atual. Foi isso que salvou nosso negócio — e nos fez crescer.”

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Diana, empresária. Crédito: Camila Coimbra

Em Planaltina, a empreendedora Diana Cláudia Santos de Oliveira, de 42 anos, viveu esse desafio de forma intensa. Dona de uma loja de maquiagem localizada no Edifício AD, Bloco H, Sala 208, ela precisou fechar as portas, dispensar a equipe e repensar totalmente a forma de se relacionar com os clientes. Mas o que parecia ser um abismo se tornou, com o tempo, um impulso para inovação.

“Eu nunca imaginei ter uma loja. Comecei vendendo batons de porta em porta, depois passei para a garagem de casa e, quando vi, não dava mais para carregar tanta mercadoria a pé”, conta Diana. O improviso virou negócio em 2016, quando ela decidiu dividir o aluguel de um pequeno salão próximo à sua casa. A ideia era simples: montar “uma coisinha”, como diz. Mas a clientela foi crescendo, atraída pelo atendimento personalizado, com consultoria feita por maquiadoras, e pela atenção ao detalhe.

Com a chegada da pandemia, o crescimento promissor foi interrompido. “Tive que fechar. Dispensei os funcionários e me vi sozinha, cheia de boletos, com cerca de R$ 60 mil em dívidas e sem caixa. Foi desesperador.” Para não parar, Diana começou a montar um site por conta própria, nas madrugadas. Enquanto isso, vendia pelo WhatsApp e Instagram, e entregava os produtos na porta da loja, através da janela. O atendimento online e o autocuidado ganharam espaço: “O skin care virou uma grande demanda, e isso segurou o movimento enquanto ninguém usava maquiagem”.

A reinvenção foi essencial. Diana viu no digital uma ferramenta poderosa. Aprendeu a lidar com redes sociais, se aproximou ainda mais dos clientes e adaptou o estoque à nova realidade. “As maquiadoras, que eram nosso maior público, pararam de comprar por falta de eventos. Eu achei que não sobreviveria sem elas, mas o público se renovou. E isso me mostrou que o mercado está sempre em transformação.”

Apesar das dificuldades, ela conseguiu reabrir a loja, retomou o atendimento presencial com equipe reduzida e renegociou dívidas. Também recorreu ao Pronampe, programa federal de crédito para pequenos negócios. “Sobrevivemos com muito esforço, mas seguimos em frente. E o aprendizado foi enorme.”

De acordo com a economista Cristina Helena de Mello, o impacto da pandemia sobre o comércio foi significativo em todo o país, mas no Distrito Federal ele foi suavizado por um fator estrutural: a estabilidade de renda. “Diferentemente de outras unidades da Federação, onde houve demissões e queda acentuada no consumo, o DF conseguiu manter boa parte das relações de trabalho ativas, o que preservou a capacidade de consumo da população”, explica. Essa estabilidade, segundo ela, também foi observada em municípios com alta proporção de aposentados ou beneficiários de programas sociais, o que reforça a importância de uma base de renda fixa no amortecimento dos efeitos da crise.

Cristina destaca ainda que, entre os comerciantes que resistiram ou começaram empreendimentos durante a pandemia, um padrão comum foi decisivo: escuta ativa e resposta ágil às necessidades do consumidor. “Negócios que conseguiram se manter foram aqueles que se tornaram relevantes para seus clientes, usaram os canais digitais de maneira eficaz e se adaptaram rapidamente”, afirma. Para ela, além da digitalização — fundamental para ampliar presença, reduzir custos e aprimorar a gestão —, parcerias entre pequenos empreendedores também foram um diferencial. “Vimos espaços coletivos surgirem, misturas de produtos diferentes que atendem melhor o consumidor. Essas colaborações foram criadas na crise e, em muitos casos, permaneceram como solução de longo prazo.”

Para quem está começando a empreender, Diana deixa um recado simples e direto: “Desistir não é uma opção. A gente precisa se reinventar sempre. As dificuldades vão existir, mas também são elas que impulsionam a gente a sair da zona de conforto e criar. É preciso coragem e persistência todos os dias.”

Segundo a Fecomércio, o pico de inativações no DF aconteceu em fevereiro de 2021, com 26.310 empresas encerrando atividades e apenas 3.728 novas sendo abertas. As atividades mais afetadas foram justamente as que dependem de atendimento físico: comércio de vestuário (9.068 inativações), salões de beleza (6.712) e serviços de promoção de vendas (6.010). Ainda assim, essas três áreas também estão entre as que mais registraram aberturas, mostrando o esforço de recomeço.

O setor de promoção de vendas liderou o saldo positivo, com 10.608 novas aberturas e crescimento líquido de 6.010 CNPJs. Outras atividades com saldo positivo foram serviços administrativos especializados (+2.755) e estética e cuidados pessoais (+1.916). No recorte regional, Águas Claras teve o maior saldo de novos negócios (+3.147), seguida por Plano Piloto (+2.729) e Ceilândia (+2.141), mostrando que a força do empreendedorismo se espalhou por diferentes regiões do DF.

Mesmo diante das dificuldades, histórias como as de Wesley, Anna e Diana mostram que, com planejamento, escuta, criatividade e coragem, foi possível atravessar a pandemia com o negócio de pé — e, em alguns casos, mais forte do que nunca.

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